Domingo, 2 de Janeiro de 2011

Se ao menos nevasse

Nesse tempo chegávamos ao natal

isto é um modo de dizer por carreiros de cabras

num labirinto de curvas e obras no pavimento que haveriam

mais tarde de justificar discussões políticas sobre

o emprego dos fundos comunitários

uns diziam que era preciso o progresso avançar

assim ao ritmo do asfalto cortando declives

aproximando as encostas de um e de outro lado do vale mesmo

ou sobretudo que a urze e a lírica passassem ao caralho

outros que na educação e na formação é que estava

o futuro de um povo e por essa altura vá

lá saber-se porquê dava-se como exemplo a dinamarca.

 

As minhas primas cagavam-se no discurso ideológico e

metiam-se às costelas de vinho e alho à carne da peça

às rabanadas e ao vinho quente das fatias de parida

a lírica delas eram os sonhos fritados às colheres até

rebentar ou goleparem-se à tesoura

as filhós as orelhas de abade o

bolo de monja com seu bico de grinalda e muitos ovos que

as galinhas quase nem dava posto e

na consoada amandavam-se gulosas ao polvo e

ao bacalhau cozido e à couve galega idem com

azeite de vila flor a escorrer-lhes salvo seja

dos carnudos lábios adolescentes

que era um mimo.

 

E chegávamos também ao natal pelo

tronco dos vidoeiros antes da neve e pelo fogo do pobo e

pelo presépio nos degraus da câmara

com musgo e serradura nos caminhos e santinhos de barro

esculpidos decerto em braga em tamanho natural que

a gente era como se o menino jesus se tivesse acabado de nascer

e até se benzia mesmo antes da missa do

galo quando o meu tio baptista bêbado que nem uma puta

reazava o pai nosso em siríaco e a família

tapava o rosto com as mãos muito

dividida entre o orgulho na erudição clássica do

velho seminarista e a vergonha pela sua queda em

sentido literal pelo tinto de valpaços.

 

A verdade é que tudo agora é difuso e insípido

a gente chega ao natal de auto-estrada pagando as portagens

e ele é o algodão dos pinheirinhos de plástico com

o logótipo da sociedade ponto verde a

garantir que tudo será tão reciclado que

apetece logo poluir o alto do larouco

a gente chega ao natal e ao meu tio baptista dão-lhe

comprimidos e chá de cidreira

e até o clafouti de maçã reineta já não leva conhaque e vai

ao forno com manteiga sem sal e

as minhas primas muito magras erguendo-se a medir a cintura

discutem a dieta e as sessões de mesoterapia

e se bem compreendo não fodem nem com os legítimos esposos se

a retoiça não vier especificada na tabela de calorias do livro que

é agora uma bíblia

da senhora doutora isabel do carmo.

 

Que saudades da neve se

ao menos nevasse

penso por instantes enquanto

venho à rua e acendo um cigarro

às quatro da manhã.

 

José Carlos Barros

 

publicado por swashbuckler às 17:05
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Sábado, 25 de Dezembro de 2010

A propósito do natal

Como se chama a instituição que tem a sua fundação numa manjedoura colocada numa gruta de Belém e que hoje em dia é uma das "empresas" mais lucrativas e abastadas do mundo? Igreja, não é?

Estaremos perante o capitalismo especulativo mais puro ou estaremos perante um caso de histeria colectiva que dura há séculos?

Capitalismo especulativo, nasceu um menino, esse menino tem poderes, esse menino cresceu e sacrificou-se por nós todos, foi para o céu ter com o pai e agora devemos prestar vassalagem aos seus ideais para termos um lugar nosso lá em cima. Na minha terra isto chama-se boato.

O mesmo boato se aplica para a histeria colectiva, mas aí o caso é ainda mais complicado, é que manter uma mentira tão intrincada não é fácil.

Seja como for a Igreja deve ter tido, desde sempre, os melhores gestores e publicitários da História, parece-me urgente ter padres e outros que tais nos governos mundiais.

Salvé esta religião que no natal serve tão bem os interesses do consumismo.

publicado por swashbuckler às 03:20
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