Em alturas de crise há quase sempre um fenómeno que ganha força e que nos entra pelos olhos e ouvidos dentro todos os dias: o populismo. Este fenómeno pode sustentar ideologias de todo o tipo, mas serve, sempre, para reforçar o pensamento único e para impor a saída que se tenta apresentar como a única razoável perante a inevitabilidade.
O populismo por vezes desfaz tudo quanto está dentro do "sistema" vigente prometendo uma revolução que libertará o povo para sempre, noutras ocasiões contrapõe aos argumentos que se lhe opõe ideias fortes mas facilmente rebatíveis e que apenas fazem o seu caminho e ganham o seu espaço porque são repetidas ad nauseam.
A Europa já sofreu com populismos vários e quase sempre com o mesmo desfecho, guerras civis ou internacionais e estados que se tornaram fortemente repressivos, aprisionando e expulsando quem pensava de outra forma. Em Portugal, o populismo apareceu quase sempre - em escala nacional - do lado da direita, e a actualidade não é diferente. Esconde-se um plano de ataque aos direitos básicos das pessoas em nome de um conto de fadas capitalista.
Hoje chegaram-me aos olhos dois textos que ajudam a desmascarar algumas ideias feitas sobre os partidos, os movimentos e sobre os perigos de aceitar algumas ideias simples e compreensíveis como certas. Este texto da Wu Ming Foudation e o texto de Francisco Louçã no Público de hoje, dão tiros certeiros nas máscaras do Movimento 5 Estrelas e na ideia peregrina de que as primárias nos partidos resolveriam os problemas da sua democracia interna e de melhor representatividade dos eleitores.
"Os partidos são todos iguais", "os movimentos são todos iguais", estas frases são tão redutoras como vazias. Os movimentos e os partidos não são todos iguais, são mesmo todos diferentes porque compostos por pessoas diferentes. Se em alguns momentos podem parecer iguais por terem métodos de acção semelhantes ou ideias bastantes coincidentes, bastaria estar dentro deles para se entender logo que as diferenças são e serão sempre abissais, e que as metas de cada um deles nunca são totalmente sobrepostas, mesmo que as divergências se apresentem como pequenas nuances.
A construção democrática faz-se com todos os seus intervenientes e necessita mais do raciocínio do que da emoção, embora nestas coisas a paixão pelas causas me pareça imprescindível, mas isso talvez faça de mim um romântico deslocado da globalização. As saídas nunca são fáceis nem se podem basear em declarações de intenções simplistas. O 5 Estrelas apresentou-se como um movimento anti-sistema que alteraria o paradigma da sociedade italiana, vemos agora claramente que essa alteração de paradigma implica uma aproximação a uma Itália e a uma Europa que não queremos repetir. Bom, se essa Itália se repetir o trabalho é só um: arranjar uma corda forte que coloque Beppe Grillo a ver a Praça Loreto de pernas para o ar.
As directas, como diz Louçã, "não são só um fútil concurso de beleza ou a porta aberta a jogos financeiros clandestinos. São uma campanha para forçar a esquerda a virar ao centro e à direita". Ou seja, uma tentativa populista de exterminar quem tem uma alternativa para a organização social e política que nos estão a impor, uma tentativa de replicar em todo o mundo o formato dos EUA que transformam a política num espectáculo televisionado de baixa qualidade entre o "capitalismo-um-nadinha-preocupado-com-as-pessoas" e o "capitalismo-estroina-que-quer-é-desbundar-à-vontade-e-sem-chatices".
Os partidos são feitos de pessoas concretas que se organizam em torno de ideias concretas e que defendem programas de governação concretos. Terão os seus defeitos e terão de repensar o seu modo de agir e de ouvir, uns mais que outros, mas continuo a achar que são, neste momento, o único garante que temos de poder salvar a pouca democracia que nos resta e de a fortalecer, e incluo nesta equação os partidos responsáveis pelo estado de coisas, talvez seja outra vez o romantismo a falar.
O debate não deve opor partidos a movimentos, deve reconhecer o espaço que cada um ocupa e deve encontrar caminhos para que os movimentos com agendas definidas, mais ou menos sectoriais, consigam fazer-se ouvir e influir nas decisões dos partidos e de quem governa. Se há partidos que estão mais fechados do que o desejável e a trabalhar para dentro e para os seus, então a bola está do lado dos movimentos sérios e definidos, é deles o papel de mostrar que as soluções só aparecem quando as pessoas se interrogam e procuram encontrar respostas através da acção. Os partidos, mais tarde ou mais cedo, irão escutá-los, seja por conveniência eleitoral, seja por genuíno interesse em cumprir o seu dever de servir aqueles que representam. Acreditar que a solução mais fácil e interessante passa por ceder ao populismo e a movimentos indefinidos e obscuros é abrir espaço ao "Grillismo" e ao totalitarismo idólatra.
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